sábado, 15 de janeiro de 2011

O Cuidado Pastoral (Parte do Capítulo 3 do Tcc)

Antonio Jamerson Côrtes
O que é cuidado pastoral? Temos pelo menos duas palavras na bíblia que se referem a esse tipo de cuidado, a primeira, oriunda do hebraico, é רעה (ra ̀ah), significa: apascentar, cuidar de, alimentar, pastorear (referindo-se ao governante, mestre, no sentido figurado), associar-se com, ser amigo de (sentido provável)[1]. A segunda palavra encontra-se no novo testamento, é ποιμαινω (poimaino), significa: apascentar, cuidar do rebanho, tomar conta das ovelhas, reger, governar, prover pasto para alimentação, nutrir, cuidar do corpo de alguém, servir o corpo, suprir o necessário para as necessidades da alma[2].

Fato interessante é que o dicionário Aurélio, em sua quinta definição, nos mostra cuidado como sendo certa “inquietação de espírito”. Segundo Leonardo Boff, a sociedade contemporânea, chamada sociedade do conhecimento e da comunicação, está criando, contraditoriamente, cada vez mais incomunicação e solidão entre as pessoas.

A Internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém. Pode-se comprar, pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme sem falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não precisamos sair de casa. Tudo vem à nossa casa via on-line.[3]

Talvez possamos, a princípio, discordar de Boff em relação à comunicação – que sem sombra de dúvidas é proporcionada pela internet de maneira extraordinária – porém, se pararmos para refletir na relação com a realidade concreta, com seus cheiros, cores, frios, calores, pesos, resistências e contradições, notamos que isso cada vez mais é exibido pela imagem virtual que é somente imagem.

A Igreja virtual é um fenômeno que vem crescendo cada vez mais, hoje encontramos pessoas que não precisam sair de casa para assistir a um culto, tendo ainda a possibilidade de participar dele, através da internet. Toda essa gama de informações novas tem seus pontos positivos e negativos. Não podemos, por exemplo, fechar nossos olhos para as conversões que tem ocorrido através desses meios de comunicação em massa.

Nosso objetivo, porém, é ir além disso e trazer esse tema para o âmbito pastoral. Poderia o ministro religioso exercer todas as suas atividades de forma eficaz utilizando-se apenas dessas novas tecnologias? Leonardo Boff tem toda razão quando afirma que o mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato e do contato humano.

Essa anti-realidade afeta a vida humana naquilo que ela possui de mais fundamental: o cuidado. Boff afirma que o cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir.

Por que tanta ênfase em uma única palavra? A resposta para tal pergunta está na figura do pastor de ovelhas. O pastor é o responsável por suas ovelhas, não no sentido de controle, mas no sentido de cuidado, é ele que precisa guiá-la, é ele que precisa alimentá-la, é ele que precisa dar amor e afeto a ela. O pastor não pode deixar que nenhum animal feroz ataque sua ovelha, pelo contrário, ele deve fortalecer a cerca, a fim de que nenhum animal selvagem entre em seu pasto.

E onde o cuidado aparece em nossa sociedade? – se pergunta Leonardo Boff, o qual logo responde – “Em algo muito vulgar, quase ridículo, mas extremamente indicativo: no tamagochi”[4].

O que é um tamagochi? É uma invenção japonesa dos inícios de 1997. Um chaveirinho eletrônico criado pela Bandai[5], com três botões abaixo da telinha de cristal, que alberga dentro de si um bichinho de estimação virtual. O bichinho tem fome, come, dorme, cresce, brinca, chora, fica doente e pode morrer. Tudo depende do cuidado que recebe ou não de seu dono ou dona. O tamagochi dá muito trabalho. Como uma criança, a todo momento deve ser cuidado; caso contrário, reclama com seu bip; se não for atendido, corre risco. E quem é tão sem coração a ponto de deixar um bichinho de estimação morrer?

O brinquedo transformou-se numa mania nesta primeira década e mudou a rotina de muitas crianças, jovens e adultos que se empenhavam em cuidar do tamagochi, dar-lhe de comer, deixá-lo descansar e fazê-lo dormir. O cuidado faz até o milagre de ressuscitá-lo, caso tenha morrido por falta de atenção e de cuidado. O chaveirinho fez tanto sucesso, que logo virou jogo virtual e anime[6], denominado “Digimon[7]”. Na mesma época era lançado outro jogo cujo nome era Pokémon[8], que posteriormente virou anime também.

Apesar de ser de outra produtora, Pokémon trazia em si a mesma formula de Digimon: Cuidar do seu bichinho de estimação e depositar todo o seu afeto e carinho nele. Muitas vezes, ao invés de controlar o bichinho, o personagem era manipulado, sendo obrigado a fazer algo por causa do seu bichinho de estimação virtual. Passados cerca de dez anos, até hoje Pokémon ainda ocupa seu espaço no mercado, tendo uma série de jogos e temporadas de anime, sendo febre mundial.

Para Boff, o cuidado pelo bichinho de estimação virtual denuncia a solidão em que vive o homem/a mulher da sociedade da comunicação nascente. Mas anuncia também que, apesar da desumanização de grande parte de nossa cultura, a essência humana não se perdeu. Ela está aí na forma do cuidado transferido para um aparelhinho eletrônico, ao invés de ser investido nas pessoas concretas à nossa volta: na vovó doente, num colega de escola deficiente físico, num menino ou menina de rua, no velhinho que vende o pão matinal, nos pobres e marginalizados de nossas cidades, enfim, nas pessoas que, mesmo caladas, seu interior clama por socorro.

A reflexão de Boff nos leva a refletir sobre nossas prioridades, analisando para o que ou quem transferimos nosso cuidado, se para a obra de Deus, ou para o jogo de RPG[9] que simula a realidade. No primeiro capítulo citamos a concepção veterotestamentária da dimensão mais concreta da vida humana, que engloba o corpo (basar), a alma (nefesh) e o espírito (ruah). Paulo nos aconselha a manter os três irrepreensíveis: “O Deus da paz vos conceda santidade perfeita; e que vosso espírito, vossa alma e vosso corpo sejam guardados de modo irrepreensível para o dia da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5.23).

Se fizermos uma exegese desse texto, notaremos que a palavra utilizada é αμεμπτως (amemptos), significando: irrepreensivelmente, de tal forma que não existe razão para censura[10]. Logo percebemos que para nos mantermos irrepreensíveis, é necessário haver equilíbrio, e isso só conseguimos com uma boa administração de nosso tempo.

Nasce então outra questão: que tanto de tempo tenho doado para o entretenimento, para o mundo virtual? Domínio de tempo pressupõe domínio próprio, uma das virtudes do fruto do Espírito apresentado em Gálatas 5:22. Quando adquirirmos isso, não será difícil transferir uma parcela de nosso cuidado para os oprimidos, aqueles que precisam da sua ajuda, de conselho, que passam fome ou até pensam em se suicidar.

Sem dúvida alguma os dados acima não são um convite a deixar de jogar videogame, utilizar a internet ou assistir televisão, mas sim um alerta: o jovem que anseia tornar-se ministro de confissão religiosa precisa administrar bem seu tempo, de forma que sempre possa fazer algo produtivo para seu ministério. Ele precisa desde cedo se adaptar a essas realidades, para não ser pego de surpresa, ou fazer algo do qual se arrependa futuramente em sua caminhada ministerial.




[1] STRONG, James. Dicionário Bíblico Strong: Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong, p. 982.

[2] STRONG, James. Dicionário Bíblico Strong: Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong, p. 1607.

[3] BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra, p. 11.

[4] Ibid., p. 12.

[5] Empresa Japonesa de entretenimento.

[6] Desenho animado Japonês caracterizado por olhos grandes, geralmente oriundo de um mangá, uma espécie de desenho em quadrinhos que se lê da direita para a esquerda.

[7] Do inglês Digital Monsters, siginifianco Monstros Digitais.

[8] Do inglês Pocket Monsters, siginificando Monstros de Bolso.

[9] Do inglês Rolling Playing Game, significando Jogo de interpretação Pessoal. É um jogo com realidade virtual no qual o jogador incorpora a vida do personagem, escolhendo o que ele vai fazer. A maioria dos jogos da série Pokémon é nesse estilo.

[10] STRONG, James. Dicionário Bíblico Strong: Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong, p. 1296.

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